As previsões económicas têm vindo a rever em alta as projeções para o crescimento em 2022, com mais produto, mais exportações de bens e serviços, mormente o turismo. Também têm sido muitos os observadores que têm apontado ao que esta combinação de maior crescimento, lucros corporativos em alta, inflação persistente e disrupções nas cadeias de abastecimento global está a provocar: o empobrecimento célere da classe média trabalhadora e dos reformados.
Houve quem se tenha apressado a fechar negociações, em sede de contratação coletiva, das tabelas e cláusulas de expressão pecuniária. Um absurdo, tendo em conta que estamos perante um ano carregado de incertezas, nomeadamente sobre evolução dos preços. Uma precipitação que ocorreu em vários setores, infelizmente.
O caso da banca é paradigmático.
Mesmo antes de a guerra na Ucrânia ser uma realidade, dissemos que a subida das taxas de juros, que se estava a antecipar nos mercados secundários de dívida, levaria os bancos centrais a subir as taxas diretoras. Taxas positivas, de nível moderado, fazem funcionar a função de receitas dos bancos oriundas dos depósitos.
Adivinhava-se, por isso, o fim da anormalidade histórica de taxas de juros negativas. E era antecipável que os próximos trimestres seriam de sólidos desempenhos económicos na banca a operar em Portugal.
Confirmou-se.
As centrais sindicais (USI, UGT e CGTP), por unanimidade, têm pedido aumentos intercalares ou revisão dos acordos entretanto assinados. Todas o pediram para a função pública, cientes do seu efeito de arrastamento para a negociação privada.
Muitos dirigentes sindicais e economistas chamaram a atenção para o imposto inflacionista subjacente à não atualização dos escalões do IRS, pelo menos ao nível da inflação estimado pelo Governo, aquando da apresentação do Orçamento do Estado.
Sabemos que na maior parte dos casos não será exequível exigir a uma só parte que pague o imposto inflacionista. Não poderão ser só os trabalhadores nem apenas as empresas. O Estado, como aliás fez recentemente a propósito dos combustíveis, tem também que dar o exemplo.
Mas todos terão que fazer a sua parte. Do nosso lado, queremos valores de atualização das tabelas e demais cláusulas de expressão pecuniária que estejam em linha com a capacidade, com os níveis de produtividade e rendibilidade das empresas. É sabido que o fundamentámos assim, como aliás o fazemos todos os anos.
O Governo tem que liderar pelo exemplo, mexendo nos escalões do IRS e desagravando alguns impostos sobre certos bens. As empresas e os setores que tiverem condições para tal deverão proceder a um aumento intercalar, extraordinário, dos salários (e no caso dos fundos de pensões estabelecidos por contratação coletiva, das pensões dos reformados).
O imobilismo de muitos setores empresariais, a sua aversão a partilhar com os seus trabalhadores, em breve vai gerar um impulso de redistribuição por decreto. É uma inevitabilidade que os lucros extraordinários, nomeadamente na banca, turismo, energia, gerados por uma situação económica anormal, sejam taxados. Importa lembrar, porventura que foi com um governo conservador, de Margaret Thatcher, que os lucros extraordinários do setor financeiro foram taxados. E que toda a Europa tem vindo a taxar os lucros das empresas do setor da energia.
Muitas empresas podem, desde já, fazer um aumento intercalar. Uma sociedade justa exige uma repartição equilibrada. É mais sensato redistribuir já do que esperar pela inevitável taxação que resultará do clamor popular, se nada for feito de forma voluntária.